A entrevista ilumina aspectos importantes que sugerem o grau de dificuldade de se gerir a Saúde em âmbito nacional.
Relembrando que no primeiro governo FHC, quando Serra era MIN Saúde, houve propostas de mudanças significativas, explodidas, até, pelo PT e base de suporte, no Congresso. Agora, como donos do telhado nos últimos oito anos, tampouco conseguiram com uma fenomenal base de apoio ao presidente, tocar pra frente importantes projetos engavetados.
O que esta reportagem ressalta nas entrelinhas, é que estamos muito longe, ainda, de termos uma participação democrática do cidadão madura, pois Saúde sendo um dos mais aquinhoados ministérios em termos de orçamento, não consegue lograr êxito em sua plenitude.
Há muito o que se aprender com a reportagem abaixo.
Desafio é mudar gestão da saúde, diz Temporão
Luciano Máximo
Valor Econômico
Políticas públicas: Para ministro, Dilma vai recuperar projeto que entrega administração de hospitais a fundações.
Em tom de despedida, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse ao Valor que o maior desafio do setor nos próximos anos será a execução de ampla reformulação da gestão nos serviços de saúde pública do país.Segundo ele, a presidente eleita, Dilma Rousseff, está determinada em flexibilizar as atuais regras da administração pública na operação de hospitais e políticas de pessoal.
Temporão, que não ficará no governo, disse que o projeto de lei 92, encaminhado pelos Ministérios da Saúde e do Planejamento ao Congresso Nacional em 2007, voltará a agenda nacional "com força", estimulado pela presidente. A matéria trata da entrega da gestão de hospitais públicos a fundações de direito privado, modelo que dá liberdade de empresa privada na política de compras e maior dinamismo na contratação e dispensa de funcionários. As mudanças, que acabaram engavetadas, enfrentaram forte oposição do movimento sindical e deram margem para interpretação de que o Sistema Único de Saúde (SUS) poderia estar sendo terceirizado ou até privatizado.
O ministro também fez um balanço de sua gestão à frente da pasta, destacando a melhora dos principais indicadores de saúde do país, como mortalidade infantil e materna. Temporão disse ainda 85% da população brasileira considera o SUS ótimo ou bom, segundo levantamento do governo. Por fim, o ministro relata como está conduzindo o processo de transição e disse que, ao fim do mandato, deverá retomar as aulas e a pesquisa acadêmica na Fiocruz, no Rio de Janeiro. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por telefone, na semana passada:
Valor: A saúde pública no Brasil melhorou?
José Gomes Temporão: Se olharmos os indicadores tradicionais de saúde pública, que medem mortalidade, incidência e prevalência de doenças, a melhoria é evidente, robusta. A expectativa de vida do brasileiro está aumentando, a desnutrição infantil despencou, mortalidade materna por complicações do parto e no pós-parto caiu 56%. O aborto passou de quarta para quinta principal causa de morte no país, embora ainda seja um problema sério. Esses dados nos permitem afirmar que sim, a saúde melhorou de forma significativa.
Valor: Por que, então, há a percepção, uma espécie de senso comum, de que a saúde é ruim?
Temporão: Vou dar um exemplo didático. Seu filho chega da escola mais cedo porque o professor de matemática faltou. Aí você pensa: "Que coisa chata, vou reclamar com a diretora." O que aconteceu de ruim nesse episódio? Seu filho perdeu um dia de aula. Na saúde, se o neurocirurgião não estiver na sala de operação, se o remédio não estiver disponível, se o tempo de espera for muito grande e você estiver no calor, com dor, é outra dimensão. Muitas pesquisas de opinião, tipo Ibope, Datafolha, registram essa dimensão. Mas a Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio] mais recente, do IBGE, que entrevistou 340 mil pessoas, fez uma avaliação do atendimento no sistema público de saúde e 85% das respostas foram bom e ótimo. Aí tenho que ser crítico, não dá para comparar uma pesquisa que fala com 2 mil pessoas rapidamente na rua com outra que vai na casa da pessoa e aplica um questionário e entrevista 340 mil pessoas. Mas é evidente que a saúde pública tem que melhorar, tem problemas sérios, de gestão, de financiamento.
Valor: Esses são os maiores desafios na área?
Temporão: A administração pública direta pode ser muito boa para o Banco Central, a Polícia Federal, a burocracia tradicional, mas não funciona para hospitais e serviços de saúde. Eu tenho que ter uma gestão que garanta eficiência do gasto, melhor organização e que me permita fazer mais e melhor com menos recursos. A proposta das fundações estatais de direito privado foi engavetada pelo Congresso Nacional, mas para minha satisfação praticamente todos os Estados brasileiros estão copiando ou fazendo adaptação da mesma proposta. Então, eu diria que a gestão, que está na agenda central da presidente Dilma, passou por mudanças muito significativas nesses últimos três anos. Minha briga pelo modelo de gestão [das fundações] teve importância.
Valor: As fundações voltam à agenda nacional no novo governo?
Temporão: A presidente Dilma, na reunião de transição, foi bastante clara: vamos ter que usar melhor os recursos que temos. Aí não tem jeito, ou enfrentamos a questão do modelo de gestão - profissionalizando, incluindo contrato de metas, indicadores, premiação por desempenho, repensando o tipo de contrato dos funcionários públicos - ou nós não vamos melhorar a eficiência. Na minha percepção, esse tema é apoiado pela opinião pública e vejo a presidente Dilma com uma visão muito acurada, muito focada nisso. Essa questão volta com força no próximo governo.
Valor: Financiamento também está entre as prioridades?
Temporão: Não há dúvida. Todos os países com sistemas universais de saúde parecidos com o Brasil gastam mais recursos públicos do que a gente. Aqui 60% dos gastos de saúde são privados, das famílias e das empresas, e 40%, públicos. A participação da União nos gastos de saúde vem caindo ao longo dos anos. Em 1985, quando eu era diretor do Inamps, o governo federal respondia por 80% dos gastos públicos em saúde, hoje é menos de 50%. A equação está na mesa. Os dois problemas são gestão e financiamento.
Valor: Por que é tão difícil vincular recursos das receitas da União a gastos na saúde, assim como fazem Estados e municípios?
Temporão: Caímos na discussão da Emenda Constitucional 29. A lei hoje é clara. Os Estados têm que gastar 12% das receitas e nem todos gastam, porque a emenda não está regulamentada, então o conceito de gasto também não. A União segue o que manda a lei, que é o gasto anterior mais a variação nominal do PIB. A vinculação de receitas federais é exatamente um dos fatores pelo qual a emenda 29 não prospera. Há resistência dentro do governo, na área econômica. Mas há outros caminhos.
Valor: Como o sr. está participando da transição de governos?
Temporão: Estamos trabalhando na preparação de um livro de encargos, uma inovação importante: pela primeira vez o ministro que entrar vai receber um livro sobre como é o ministério, como está organizado, sua estrutura, cargos, informações, conselhos, colegiados, orçamento. Também vou entregar para o meu sucessor um documento mais estratégico, mais objetivo, mais prático, mais conjuntural de questões que precisam ser enfrentadas nos primeiros cem dias da nova administração. Isso vai permitir ao novo administrador entrar com bastante segurança para poder tocar as coisas.
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